sábado, 22 de agosto de 2015

Apenas um nome


  

Um nome aflora nos intrincados
Recessos da memória.
Trêmulo, despido, sem cor
Como uma pétala de rosa
Guardada nas páginas de um livro.
Um nome esquecido, levado
Pela enxurrada de outros rios
Que passaram sob a ponte.
Um nada. Um nome, apenas,
Coberto de fuligem e de asas
De pássaros descuidados
Pousados na janela. 

Saída do nada,
Uma dor nasceu dentro do peito
Como um trovão em céu perdido
Ou um relâmpago sobre
Vagos campos. 

Nem sabe quem é ou quem foi.
Apenas um nome esquecido
Que já cruzou esta trilha
Pisou a relva
Bebeu a seiva
Revolveu a terra
E só deixou
Escombros.

                                                      HC

Amanhecer

Sob o linho escuro do céu
As estrelas tardias se misturam
À neblina e ao estalar das flores
E aos riachos perdidos nas florestas.
Todo pensamento humano se desfaz
Ante o esplendor tardio da manhã
Tecendo filigranas de ócio nas parreiras
Entumecidas de vinho.
O chão bebe as uvas grávidas
E transborda um amor entrelaçado
De mil ramos saboreados de seivas,
Adúlteras e puras, isentas
Do pecado original.
Um galo canta sua melopeia
Rasgando em tiras o alvorecer
Que finalmente se esgueira
Pelas nuvens rubras,
Cansando os olhos insones do poeta.
 
                                           HC




quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Ainda Rosamunde Pilcher

  Reli o livro Os catadores de Conchas, de Rosamunde Pilcher. Novamente me deparei com a força de uma mulher, Sophie, personagem do livro, ante às convenções sociais da época, anos 20 e 30, força essa transmitida à sua filha Penélope, que também desafia costumes, moda, postura diante de vida, o desvencilhar-se de todas as formas de opressão. 
   Embora encantador, os Catadores de Conchas ainda não consegue ultrapassar Setembro da mesma autora, que é, a meu ver, sua obra máxima.
  Ainda assim, vemos uma Rosamunde Pilcher se entrincheirando por uma sociedade castradora e mostrando ao mundo que a mulher possui na coragem, sensibilidade e agudeza de espírito as armas para conseguir se libertar de qualquer jugo.
  Numa época em que toda mulher se rendia apenas ao lar, Penélope vai servir ao exército, se desvencilha de um casamento fruto da guerra, não se embevece com o nascimento da primeira filha, arranja um amante que se torna seu grande amor. Apenas seus sentimentos contam para suas decisões. E, assim, consegue ser feliz apesar das opiniões contrárias.
  Vale a pena conferir.

 
 

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Amor e horror

Amei como as mães defendendo o filho.
Como os bichos em eterna inocência, eu amei.
Foi tanto o meu amor que, depois de ti,
Meu coração se exilou de mim
Deixando nos escombros
Um arremedo de paz.

Amo do mesmo modo hoje, ainda, ainda...
Não importa se povoas outros mundos
Se roubaste outros corações incautos,
Se vibras de paixão, como vibraste em mim.

Amarei tua lembrança, teus gestos  descuidados
Teu riso nervoso e simulado
Teu corpo onde meu corpo repousava,
Teu hálito e tua pele sobre a minha.

Só o desassossego, a fome, o pranto,
O sufocar-me de tantas incertezas,
O morrer mil vezes ante tua ausência
E o nascer outras mil quando surgias,

Isso não posso amar.  Essa porção de mim
Estagnou-se pelo caminho, esvaneceu-se,
Morreu-se.

                                             HC




quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Corpo e alma

Estranha casa esta que habito
Onde se digladiam corpo e alma
Sem que eu saiba jamais a quem ceder.
Algumas vezes meu corpo é o vencedor
De outras a alma rejubila.

E a consciência que tudo presencia
Se cala atordoada ante o rumor
De chuvas sobre as trilhas
Ou de ninhos de pássaros desfeitos.
Entre a alma e o corpo eu tremo
No recôndito vão desconhecido
Dos que me afagam a face
Ou cospem no meu leito.
                                       
                                                  HC

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Como sou.

Venho do sol e do vento
Sou feita de areia marinha
E de ostras rebentadas.
Meu coração está vazio
Como as  conchas do mar,
Porque já não creio
Em muitas coisas.

Creio em outras que me falam
De uma eternidade de crenças.
Mas ao que é comum sou estranha,
Alheia e divagante.

Sem ilusões, vislumbrei a paz.
Isso eu darei a quem abrir a mão
A quem disser sim ao vero amor.

                                H.C

terça-feira, 4 de agosto de 2015

The Lives Others ( título original, no Netflix.)

O local é Alemanha. A época, a ocupação nazista. Numa casa, um escritor reúne artistas para discutir assuntos relacionados ao horror do momento. Um deles sugere que ele, como escritor, necessita escrever um artigo sobre os suicídios ocorridos durante a ocupação nazista em toda a Europa. Fornecem-lhe uma máquina de escrever portátil, impossível de ser rastreada pelo regime. Ele namora uma moça que faz teatro, por isso é visto várias vezes em público. A moça  encena roteiros satíricos ao regime, feitos por ele. Então, o escritor fica sob suspeição. Arma-se um arsenal de escutas na casa do escritor, num momento em que ele sai. E é colocado uma espécie de estúdio próximo, onde se registra tudo o que se passa no apartamento dele. Certo dia o escritor coloca na vitrola a nona sinfonia de Beethoven, e conversando com os amigos dissidentes, revela que Lênin havia dito certa vez, ao escutar essa música, que não poderia ouvi-la todos os dias senão jamais faria uma revolução. O soldado nazista que monitora a casa do escritor chora ao ouvir a música em seu posto de escuta. Compreende o que Lênin, líder da Revolução Russa de 1917, quis dizer com aquela frase. Então, seus sentimentos com relação àquele grupo mudam e ele compreende que todos deviam ser bons, e não  torturar e matar. Começa a surrupiar informações sobre o que observa na casa vigiada. O escritor escreve o  artigo e o publica usando um codinome. O artigo sai nas capas de todas as revistas importantes do país. Os nazistas acham que só pode ser ele quem o escreveu. Indagam ao soldado que monitora a casa, mas ele nega que tenha visto ou ouvido qualquer coisa a respeito. O soldado passa a ser suspeito de acobertar dissidentes, mas ninguém tem provas contra ele. Voltam-se então para namorada do escritor, a que trabalha no teatro. Dizem-lhe que já sabem de tudo e que só querem que ela revele onde fica escondida a máquina de escrever do escritor. Caso contrário, ela jamais pisará novamente num palco alemão, pois ficará presa para sempre. Ela, com medo, confessa onde a máquina está guardada. A casa deverá ser imediatamente invadida, só que o soldado que a  monitorava vai na frente, entra no apartamento do escritor e retira a máquina de escrever.  Então a moça chega, e pouco depois os guardas nazistas aparecem para revistar a casa. Quando a moça cruza os olhos com os do namorado, sai correndo porta a fora e se joga embaixo de um caminhão em movimento. Sabendo onde a máquina está escondida,  os guardas abrem o local, mas nada encontram. A moça não teve tempo de saber que a máquina sumira. Sem máquina, eles resolvem arquivar o caso e prender o soldado que vigiava a casa do escritor. Ele passa quatro anos preso. Cai o muro de Berlim. Termina a guerra.  Um dia o escritor soube por um nazista que a casa dele vivia sob eterna vigilância. Ele não entende por que nunca foi preso. Resolve averiguar junto a um órgão que mantém arquivados todos os crimes perpetrados pelos nazistas. A moça que o atende diz que o processo dele é constituído de duas peças. Uma pasta fina que entrega a ele, e vai buscar o resto que chega num carrinho empurrado por um empregado,  umas vinte pastas contendo toda sua história. Na pasta fina ele se depara sempre com uma sigla, HTD e as páginas em branco. Pergunta ao rapaz da recepção quem é HTD e ele vai procurar no arquivo de nomes. Sai dali e  vai procurá-lo, mas não tem coragem de lhe abordar.
  Um dia o homem vai passando por uma livraria e vê o retrato do escritor em tamanho grande, uma propaganda do último livro dele intitulado: Balada para um Homem Bom. O suposto nazista folheia as primeiras páginas e lê o oferecimento: A HTD, minha gratidão por ter me salvo. Vale a pena conferir no Neflix.