Ó Pátria amada! Teu berço era uma vastidão de
selvas intocadas, crivadas de rios cristalinos e profundos lagos de águas
mansas. Opulenta de ouro e prata! Ninguém nasceu mais rica e livre do que tu.
Em tua face pura de menino travesso dançavam as fadas e os elfos ao som da
sinfonia dos pássaros e dos córregos. Nenhum país viu sol mais fúlgido nem
semelhante céu de anil. Éramos um povo heroico desafiando a própria morte para
te embalar em sonho intenso de amor e de esperança. Nenhum rumor de passos
inimigos turbava tuas noites eternas. Gigante pela própria natureza, belo e
forte eras, defendendo teu povo com tuas torres encrustadas nos montes. Rescendias
a flores silvestres misturadas a jasmim e alecrim. Teu corpo impávido e colosso
sobrepujava o continente onde nasceste. Ninguém te dominava. Conhecias apenas os
passos de uma nação que se aquecia nas fogueiras e caminhava solto pelas matas,
cabelo ao vento, pés descalços, o corpo nu. A fronte, coroada de ramos e penas coloridas,
fitava a glória do futuro. Nenhuma clava era mais forte que suas setas.
Depois, aportaram uns homens barbudos,
acompanhados de outros, vestidos de preto da cabeça aos pés, com algo
desconhecido pendurado no pescoço. Os primeiros cobiçavam nossas riquezas
minerais, o segundo ensinava os nativos a adorar duas varinhas cruzadas. Com
picaretas, os barbudos escavaram tuas serras até os ossos, deixaram tuas
vergonhas à vista e teus úteros dilacerados. Com golpes de facão tosaram tua
imensa cabelereira verde, tão densa e escura que se tornava negra aos pés do
chão, onde os raios solares não se atreviam a entrar. Tornaste-te prisioneira
de um país de além-mar e teu povo se tornou cativo. Desde então, empobreceste
até te tornar o que és. De mentira em mentira, de saque em saque, já não se
pode dizer que és a terra mais garrida, nem que teus campos têm mais vida. Hoje
somos um povo vencido, sem coragem de lutar até a morte. Fugimos à luta porque
nos faltam esperanças. A seara mais fértil do mundo nega o pão aos próprios
filhos. Onde havia fartura hoje impera a fome. Já não podemos te chamar terra
dourada porque teu trigo se tornou negro e amargo. Ainda assim te amamos. Não
temos esperança, mas não perdemos a fé.
Sonhamos que a chaga do teu peito seja cicatrizada por homens audazes
que amem teu chão e teu povo e faça renascer em nós o brado retumbante que te
deu a liberdade em breve instante, às margens de um riacho que transformaram em
lixo.
Ó Terra idolatrada! Como dói o peito de
quem te escreve! Como te salvar dos ávidos de poder, do que se matam por mais um pedacinho de ti, dos que empederniram o coração ante o
clamor das massas, dos indiferentes à fome dos pobres, dos que passam ao largo da
ignorância dos analfabetos, dos que não enxergam o abandono da infância, a carência
dos jovens, o desamparo da velhice? Abri os olhos, vós que governais este povo que instaurou a forma republicana presidencialista, derrubando a monarquia e pondo fim à soberania dos Bragança. Se não podeis fazer nada, pelo menos deixai-nos voltar ao tempo dos índios,
saciados, usando tanga no meio da mata virgem, adorando o sol e a lua e
entoando canções em tupi-guarani. Já que não temos nada, dai-nos o direito de
voltar à inocência.